Com o sagrado Rito das Cinzas, iniciamos a Quaresma. Ouvimos do Ministro: “Lembra-te que és pó e em pó te tornarás” (Gn 3,19). Recordar a fragilidade da vida humana impele a reconhecer que o apego material será sempre um contrassenso e a falta de partilha do que se tem com o que nada tem ou pouco possui será, no mínimo, sinal de desajuste. Para esses e para todos, a outra forma da imposição das cinzas é um forte convite: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
A preocupação com os pobres e os que não têm o que comer é um dever de quem acredita em Cristo, que ensinou a amar ao próximo e asseverou que só entrarão no céu os que dão de comer a quem tem fome (cf. Mt 25, 35) e cumprirem as demais obras de misericórdia elencadas a seguir.
A Igreja ensina à sociedade e aos governantes que a pobreza é um problema real e uma situação séria que deve ser resolvida. A Igreja não trata os problemas sociais da mesma forma que os políticos ou as ONGs. Ela tem seu método próprio, pois parte da fé, da Palavra de Deus e não simplesmente de frios dados sociológicos.
Saibamos separar política, fanatismo político e reais problemas das pessoas sofredoras. A Doutrina Social da Igreja não é um programa político ou ideológico, mas uma forma cristã de analisar as relações humanas a partir da Palavra de Deus, da pessoa e dos ensinamentos de Cristo. Ela não só faz caridade aos pequeninos, mas ajuda a sociedade a descobrir as causas da fome, procurando, pelos meios pacíficos e eficazes, a solucionar essas graves questões.
Há aqueles que não acreditam que haja fome e há aqueles que instrumentalizam a fome para interesses pessoais ou políticos. À parte certos abusos na manipulação dos dados por motivos ideológicos, a fome existe para muita gente. Só não acreditam que haja fome aqueles que têm o que comer todos os dias para si e sua família.
O combate à desnutrição vem sendo feito exemplarmente pelos cristãos desde o começo do cristianismo e muitas mudanças na história da humanidade foram provocadas pelo exemplo profético dos fiéis seguidores de Cristo. Neste presente ano, depois de duas outras campanhas sobre o mesmo tema, em 1975 e 1985, a Campanha da Fraternidade nos propõe, outra vez, o grave problema da fome, indicando como lema a palavra de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Certamente não será a última vez. Oxalá fosse!
Porém, a CF não esgota o sentido amplo da Quaresma. É preciso mergulhar por inteiro na vida de oração e na prática sincera da penitência, tendo em vista a Semana Santa e a Páscoa que se aproximam. A Quaresma é um tempo santo que nos põe na presença de Deus e do próximo, sobretudo dos que dependem de nossa esmola, de nosso socorro fraternal. É um itinerário com Jesus que viveu pobremente, nos ensinou a amar e servir e, nos quarenta dias de deserto, nos possibilitou saber o valor do jejum, da penitência e da oração.
Vivamos bem esse tempo forte, procurando nos converter a cada dia, a perdoar a quem nos ofende, para que, purificados, celebremos bem os Santos Mistérios da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Boa e santa Quaresma.
Dom Gil Antônio Moreira Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Comments