Não sabemos se o encontro de Jesus e Maria se deu no Calvário ou nalgum estágio deste doloroso caminho. O que importa é que, em algum momento, ele aconteceu e se assim foi, algo forte ele representará na vida de fé de cada um de nós que procuramos, embora pecadores, seguir os caminhos do Filho de Deus encarnado.
Para preparar-nos, podemos recordar de tantos outros encontros que Jesus teve em sua vida, aos quais marcou com sua misericórdia e sua bondade. O encontro com os discípulos dos quais escolheu 12 para serem seus apóstolos: vem e segue-me (cf. Mt 9,9); estes são encontros vocacionais que ilustram e alicerçam nossa ação pastoral no corrente ano de 2023, Ano Vocacional Brasileiro, instituído pela CNBB, com o lema “Corações ardentes, pés a caminho”, evocando o maravilhoso encontro pascal de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35).
Contemplemos o encontro de Jesus com cegos, coxos, paralíticos, surdos e endemoniados. Recordemos os encontros de nosso doce Jesus com várias mulheres a quem ele salvou com sua graça: a adúltera do capítulo 8 de São João: ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e de agora em diante não peques mais (Jo 8, 10). Recordemos o encontro com a Samaritana, a quem ele ofereceu a água que jorra para a vida eterna (cf Jo 4,1-42).
Recordemos o encontro de Jesus com a mulher encurvada a quem ele desencurvou, tornando-a ereta para si e para Deus, livre tendo ficado de um fluxo de sangue que há 12 anos a atormentava, pois, pela sua fé e humildade, pode ouvir dos lábios sacrossantos do Divino e Misericordioso Mestre: Minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curada de teu mal” (Mc 13, 34). A todas essas pessoas, olhou com olhar de compaixão, as reergueu de suas condições humilhantes, as curou de suas enfermidades físicas ou espirituais, as libertou do mal e as colocou em nova realidade.
Também Maria não encontrou Jesus somente uma vez, mas sua vida se compõe de uma sequência de encontros que se iniciam na anunciação do Arcanjo Gabriel, com o seu “Sim” total e indiviso a Deus, quando pronunciou a frase que se tornaria o lema de toda a sua vida: Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). A decisão de seguir para sempre a vontade de Deus faz eco também na vida de seu castíssimo José, que, com a mesma maturidade humana e religiosa, assume as indicações de Deus Altíssimo que os escolheu.
Maria encontra vez primeira com o rosto físico de Jesus na manjedoura de Belém. Também o encontra, já prenunciando as dores fortes do futuro, no Templo de Jerusalém aos 12 anos, quando o perderam na multidão, estando já em viagem de retorno, após os dias festivos da Páscoa. Porém, durante a Semana Santa, presenciamos um encontro especialíssimo, cheio de dor, angústia e sofrimento, que Maria teve com seu Filho no momento da crudelíssima paixão que culminou com a morte.
A coroação de espinhos, longe de ser feita com um simples diadema de ramos pontiagudos como vemos nas representações da arte, era feita com um emaranhado de espinhos grandes que rodeavam todo o crânio, como um capacete, dominando terrivelmente toda a cabeça, da testa à nuca, de um lado ao outro, muitas vezes chegando a cobrir as orelhas. A profusão da hemorragia craniana banhava todo o rosto e os ferimentos provocados por golpes de paus sobre o maxilar e o nariz deixavam o sentenciado em estado irreconhecível. Daí se pode compreender a profecia de Isaias: Não havia nele beleza nem formosura, e vimo-lo, não tinha aparência do que ele era… Era o mais desprezado e abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor, indivíduo de quem as pessoas desviam o olhar… (Is 53, 3).
Foi esta a figura que Maria viu e assustada contemplou, na estrada da amargura, quando se aproximava do Calvário. Foi este o espanto que lhe causou a crueldade praticada sobre o seu divino Jesus a quem vira com o rosto tenro de criança quando corria e brincava na casa de Nazaré, ou o porte esquio do adolescente que encontrou no templo aos 12 anos. Que diferenças terríveis entre o que via na rua do suplício e o rosto maravilhoso de seu Filho quando pregava às multidões ou erguia o poderoso aceno para libertar dos demônios os possessos, ou erguer do leito os entrevados, ou ainda quando tomou do pão e o fez seu Corpo e do Vinho, o seu divino Sangue! Podemos compreender agora o que significa a espada que atravessava o coração de mãe desta Senhora das Nações, colocada sob tributos, e submetida a verdadeira escravidão.
Olhemo-nos com o mesmo olhar de Maria a Jesus, para podermos também nós nos associarmos a eles. Olhemos Maria com idêntico olhar de Cristo, para amarmos sempre com maior fervor aquela que o Pai escolheu para ser a mãe do Salvador, nossa Mãe e Mãe da Igreja: Mater Salvatoris, ora pro nobis; Mater Nostra, ora pro nobis; Mater Ecclesiae, ora pro nobis.
Encontrar Jesus significa abraçar suas palavras, acolher amorosamente sua doutrina, assumir as dores para apagar nossos pecados, atentos ao que ele disse: quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz, a cada dia e me siga (Lc, 29,23). Morrer com ele significa assumir a fidelidade que Maria ensina com seu proceder indefectível.
Dom Gil Antônio Moreira Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Comentários